Manter e regular a taxa de glicemia no sangue são formas de conquistar saúde a curto e longo prazo
Você acaba de comer satisfatoriamente e, dentro de pouco tempo, já está com uma sensação de fome estranha que o leva a desejar ingerir algo imediatamente. Também anda cansado sem uma razão aparente, com certa apatia, dores de cabeça, enfim, percebe que algo não vai lá muito bem com sua saúde.
Somente fazer exames médicos periódicos talvez não seja suficiente para descobrir o que está errado, embora a alimentação e o estilo de vida sejam indícios bem precisos de que a suas taxas glicêmicas oscilem em demasia.
Há poucos anos, pesquisadores vêm denunciando uma descoberta que tem causado verdadeira revolução na área médica, sobretudo no que diz respeito ao metabolismo. As alterações bruscas de glicemia que provocam choques no organismo são tão nocivas quanto prejudiciais, o que os especialistas sugerem como uma ´montanha-russa´ dos açúcares na corrente sangüínea. Isto pode resultar em distúrbios diversos, dentre eles, os males degenerativos.
Os sinalizadores físicos, além das percepções descritas acima, são o aumento da cintura (abdômen), acompanhado da perda de energia e, por vezes, da massa magra (músculos). Tudo porque a alimentação está sendo seguida, aparentemente, de forma adequada, embora haja vícios difíceis de serem admitidos, quanto mais banidos. Enfrentar e eliminar tais vícios - como no caso das sobremesas (o docinho após a refeição) - pode não ser tão dramático quanto se imagina, utilizando-se recursos saudáveis.
Resistência à insulina
A ingestão de açúcar, sobretudo os derivados da cana de açúcar, são destacados como grandes vilões da elevação da taxa glicêmica. Só que o açúcar não está sozinho. Os farináceos e alimentos refinados são carboidratos simples que agradam não somente aos gordinhos, mas crianças, adolescentes e pessoas de todas as idades habituadas aos alimentos altamente calóricos e rápidos dos ´fast foods´, que vai desde o sanduíche (hamburguer e hot dog), passando pela batata frita, arroz branco polido, pão branco e os biscoitinhos.
Segundo o endocrinologista pela Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) João César Castro Soares, hoje se sabe que os picos de glicose no sangue são nocivos à saúde por esgotar o organismo com uma sobrecarga de trabalho. Isto provoca resistência à insulina, associada a outros sérios agravos, desde comprometimentos cardiovasculares, problemas neurológicos, perda de memória (Alzheimer) e, sobretudo, o diabetes.
Por isso mesmo, Dr. João César afirma que o controle do índice glicêmico (IG) é muito mais rigoroso, reduzido do índice de 140 para 126 (em jejum) para diagnóstico de diabetes e de 110 para 108 para pré-diabetes.
Os índices mundiais indicam que cerca de 25% da população adulta tem resistência à insulina. O quadro é agravado para quem está acima do peso e tem mais de 45 anos. O aspecto ruim dessa história é que as pessoas só costumam mudar quando se deparam com um diagnóstico desfavorável ou um problema já instalado. O outro lado da balança é se foi a alimentação causadora da resistência à insulina, escolhas mais saudáveis e não menos saborosas poderão modificá-la do mesmo modo.
A família de Mark e Adriana Ellacott tem apostado nisto há seis anos, quando o filho Blane, hoje com 10 anos, foi diagnosticado com diabetes. Ele, um artista plástico inglês e ela, uma fisioterapeuta cearense, residentes por quase duas décadas em Londres, decidiram vir definitivo para Fortaleza, a fim de que o filho desfrutasse de uma infância com praia e calor, com melhor qualidade de vida para todos. Com poucas semanas da chegada dos Ellacotts ao Ceará, Blane adoeceu e a mudança da família passou de modo radical também para a esfera da alimentação.
Estudando o diabetes a fundo para poder dar suporte ao filho (o dele é do tipo 1, insulinodependente) e permitir mais leveza ao caçula, Oliver, 2, para conviver bem com a dinâmica da família, Adriana há cerca de um ano montou com a irmã, Karla, uma lojinha (a Via Diet, no Shopping Avenida) com o intuito de propagar noções sobre saúde e possibilidades de uma vida saudável e prazerosa sem o açúcar. ´Compreendemos que os índices glicêmicos elevados não são prejudiciais só aos diabéticos. Todos devem se cuidar, porque a glicemia elevada é um mal silencioso´, informa Adriana Ellacott.
SARA MOREIRA LIMA VERDE
Especialista em Nutrição Clínica e professora do Curso de Ciências da Nutrição da Universidade de Fortaleza (Unifor)
Como podemos regular a glicose sangüínea?
Temos duas formas de trabalhar no controle da glicemia através da alimentação. A primeira é substituir os carboidratos simples por alimentos fontes de carboidrato complexo, ricos em fibras que ajudam a glicose a ser absorvida lentamente. Outra é trabalhar o índice glicêmico dos alimentos.
Quais são esses carboidratos simples e os complexos?
O carboidrato simples está presente no açúcar refinado, doces, pão branco, etc. O arroz integral é um exemplo de alimento com carboidrato complexo, assim como o pão integral. Associado aos legumes, hortaliças e frutas, conseguimos um teor de fibras interessante na alimentação, que contribui para a regulação da glicemia.
Por que se resiste tanto à mudança alimentar?
Porque as guloseimas são ´tentadoras´ em aparência e sabor e há um forte apelo da mídia em direção a esses alimentos. Além disso, os aspectos sociais e emocionais da alimentação não podem ser deixados de lado, pois é ao redor de uma mesa que as grandes comemorações são feitas, sempre acompanhadas de deliciosas preparações. As pessoas deveriam ser preparadas desde cedo para fazerem escolhas inteligentes .
Ingerir fruta é melhor do que o suco?
O consumo de uma fruta como a laranja, quando ingerido o bagaço, está associado ao consumo das fibras. Esses nutrientes promovem um aumento lento da glicemia pós-prandial. O suco da laranja promove um aumento mais rápido dessa glicemia pela ausência das fibras e pelas quebras da estrutura molecular, o que de forma simples, deixa o carboidrato ´mais livre´. Essa capacidade de aumentar a glicemia é chamada de índice glicêmico dos alimentos. É mais interessante consumir a fruta. O preparo também altera o índice glicêmico.
O que altera na nutrição de um indivíduo diabético?
Pessoas com diagnóstico de diabetes devem ser acompanhadas por médico e nutricionista. É preciso que o uso dos seus medicamentos tenha relação direta com a quantidade de carboidrato que ele ingere em cada refeição. Deve ser um acompanhamento individualizado.
Há alimentos milagrosos?
É bom que se diga, a alimentação não faz milagre sozinha, em termos de saúde. Manter um estilo de vida saudável, com atividade física e sono regular também é muito importante.
Fazer exercício físico sem ingestão de carboidrato antes é prejudicial à saúde?
O jejum antes da atividade física não é benéfico. Consumir uma fonte de carboidrato antes, como uma banana, faz com que não seja quebrada proteína muscular em alta intensidade. Portanto, é importante sim esse consumo antes da atividade física regular.
Uma vida mais doce
Eliminar o desejo de beliscar entre as refeições é um dos saldos de quem segue uma alimentação equilibrada. Isso porque o consumo de alimentos do grupo que mantém estável os níveis de açúcar no sangue ajuda a prevenir a resistência a insulina.
Estes alimentos normalmente são grandes fontes de fibra solúvel, como os grãos (arroz integral, cevada, aveia); feijões e vagens (branco, preto, jalo, roxo, lentilha, grão-de-bico); hortaliças (brócolis, couve-de-bruxelas, cenoura, berinjela, jerimum) e as frutas (maçã, laranja, ameixa, pêra).
Quanto mais integrais e não processados forem ingeridos os alimentos, maiores serão seus recursos de fibras solúveis. Explicações pormenorizadas sobre os problemas causados pelo descontrole da glicose no sangue, além de dicas e receitas práticas de refeições podem ser encontradas por quem deseja fazer uma mudança alimentar, por exemplo, na obra recém-lançada pela Seleções Reader´s Digest, ´Alimentos Mágicos - para controlar sua glicose´.
Ciência da Nutrição
Fundamentado na recente Ciência da Nutrição, o livro indica 57 alimentos que auxiliam a manter a saúde. Inclui estratégias que ajudam tanto a quem deseja perder peso como quem já possui diabetes. No primeiro caso, manter a sensação de saciedade pode ser conseguida pela ingestão adicional de proteínas. Desta forma, o organismo será estimulado a queimar um pouco mais calorias do que os carboidratos e gorduras. O fato é que se ingere muito mais calorias do que se utiliza, a maioria, de carboidratos extras.
A nutricionista e professora da Universidade de Fortaleza, Sara Moreira Lima Verde destaca que a alimentação não é a vilã dos desajustes atuais da saúde, como se propaga. ´Antes, as crianças subiam em árvores, brincavam nas ruas, corriam soltas. Hoje ficam em casa, jogando videogame, diante do computador ou vendo televisão. Evidente que não necessitam dessa quantidade enorme de calorias que ingerem´.
Sara e seus colegas do Curso de Ciências da Nutrição, da Unifor, contextualizam o momento atual como gerador de uma verdadeira ´esquizofrenia da alimentação´, uma vez que enquanto se propaga a conquista do corpo magro (como o de Gisele Bündchen), se estimula a garotada a permanecer inerte, diante dos eletrônicos, vendo propagandas de ´junk foods´ (porcarias).
As mudanças não passam somente pela ingestão de alimentos mais integrais, na perspectiva da nutricionista, mas à redução da quantidade de calorias ingeridas ao longo do dia e início de uma atividade física regular (aumento-se gradativamente seu ritmo). ´O resumo de uma alimentação equilibrada pode ser visto em um prato colorido, com alimentos de diferentes grupos, como arroz, feijão, bife, beterraba, cenoura, alface, tomate. A variedade de cores indica um número maior de nutrientes por refeição´, ensina, reforçando que todos esses alimentos são também funcionais, pois comportam outras funções além de saciar a fome.
Aprendizado familiar
Três pontos devem ser levados em consideração para se verificar a ocorrência de síndrome metabólica. A primeira diz respeito ao peso, uma vez que o sobrepeso e a obesidade são indícios de que o organismo está funcionando com sobrecarga, avisa o endocrinologista João César Castro Soares. Problemas na tireóide e diabetes são os outros dois.
A glicemia acima de 100 em jejum indica uma predisposição genética ao diabetes. Neste ponto, o especialista diz que já é necessário cuidar do paciente para que o problema não evolua, tanto nos cuidados com a alimentação como na atividade física regular e o controle do peso.
A herança genética contribui para as ocorrências dos distúrbios metabólicos, embora o estilo de vida e a alimentação sejam fatores preponderantes tanto para a saúde, quanto para a doença. Pesquisas indicaram que, mesmo em famílias com filhos adotivos, alguns tipos de doenças (como as cardiovasculares) são muito incidentes entre todos os membros.
Com base nessas informações, Mark e Adriana Ellacott permanecem bastante atentos com os dois filhos, Blane e Oliver. A família de Mark não tem diabetes e a de Adriana conta com inúmeros casos (tios, primos) com o distúrbio, o qual também se apresentou no filho Blane, quando este havia completado quatro anos.
Consciente, Adriana compreende bem que a síndrome metabólica só dá sinais quando está em um quadro já avançado e o estrago já é grande. O aumento de micções, o abatimento e a perda de peso de Blane foram mascarados com uma virose quando retornaram ao Brasil, em 2003.
O filho chegou a correr risco de vida. Em outras situações, com a família ciente de sua dependência à insulina, quando sucedia pequeno descontrole de seus índices glicêmicos (avaliados seis vezes ao dia, em dias normais, sem estresse, sempre após as refeições, conforme orientação médica) acabou entrando em hipo e hiperglicemia.
Blane, seus familiares, amigos, professores, preparador físico (ele pratica natação) sabem o que fazer em uma situação de emergência. O foco da família Ellacott hoje é o bem-estar, não somente por Blane ser diabético mas por entenderem que, mesmo com as restrições do açúcar, a vida pode ser tão doce, prazerosa e sem maiores dramas como de fato é.
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