23 de set. de 2009

Vigorexia: Quando a prática de exercícios vira obsessão

Quando a prática de exercícios vira obsessão, é hora de soar o sinal de alerta A vigorexia é uma espécie de mania exacerbada e pode trazer incontáveis prejuízos físicos e psicológicos

O esporte sempre fez parte da vida do funcionário público Felipe Hermes de Lima, 31 anos. Começou criança a jogar futebol e a praticar natação. Aos 19 anos, contudo, começou a insatisfação com o corpo. “Implicava com o espelho: meu corpo não estava como queria.” Felipe queria ficar forte, impressionar amigos e conquistar garotas. Como todo jovem, resolveu entrar na academia e conseguiu definir os músculos. Porém, o que deveria melhorar sua saúde e autoestima se transformou em problema. O jovem ficou obcecado por ficar mais forte. “Quando olhava no espelho, me via fraco, magro. Malhava todo dia. Quando faltava, ficava ansioso e irritado. Parecia que estava perdendo força”, conta.

Essa história é bem comum entre pessoas que frequentam academias e o meio desportivo. Porém, o que poucos desconfiam é que toda essa dependência de exercícios, conhecida como vigorexia — ou excesso de atividade física (overtraining, em inglês) —, está ligada a um conjunto de sintomas que podem estar relacionados com doenças psiquiátricas. O problema é mais comum na adolescência, fase onde a insatisfação parece ser crônica. O transtorno é uma espécie de oposto da anorexia — quando as pessoas atingidas se olham no espelho e, por mais magras que possam estar, sentem-se sempre gordas.

Segundo Antonio Leandro Nascimento, consultor da Associação Brasileira de Psiquiatria, os padrões de beleza implantados na sociedade, no qual homens e mulheres devem possuir corpos perfeitos, e a busca pelo resultado rápido e cada vez melhor entre os atletas podem ser as causas principais da vigorexia. “Há uma insatisfação pessoal com o corpo que leva as pessoas a fazerem exercícios em demasia na busca pela perfeição, que nunca chega. No entanto, isso não é comprovado cientificamente.”

Os principais sintomas de um vigoréxico podem ser confundidos com excesso de vaidade. “O mais comum é tanto a pessoa quanto a própria família não se dar conta de que determinadas atitudes indicam uma doença”, alerta Nascimento. Gastar muito tempo com exercícios, querer resultados rápidos, olhar-se no espelho frequentemente, comparar-se a outros colegas e ficar deprimido por isso são pistas de que há necessidade de orientação psicológica, às vezes somada à administração de remédios. “A vigorexia pode ser uma modalidade do transtorno obsessivo-compulsivo ou da personalidade obsessiva-compulsiva”, assinala Rafael Boechat, psiquiatra e pesquisador em neurociência e comportamento da Universidade de Brasília (UnB).

A vigorexia acaba derivando em um quadro obsessivo-compulsivo, de tal forma que essas pessoas se sentem fracassadas, abandonam suas atividades e se isolam em academias dia e noite. Esse isolamento pode acarretar outros problemas psíquicos, como a depressão. Boechat ressalta que a vigorexia não é classificada como doença pelos psiquiatras, mas sim como um quadro clínico ou um conjunto de sintomas, relacionados com um transtorno base. “É preciso estar atento para notar se há um comportamento doentio, senão tudo vira doença psiquiátrica”, diz.

Sinais

Maria do Carmo Lima, mãe de Felipe, disse que sentiu que algo estava errado quando o filho abandonou a faculdade e passou a ficar o dia e a noite na academia. “Não via mais meu filho em casa. Eu acordava às 7h30 e ele já não estava mais em casa. Não o via no almoço e nem no jantar. Quando perguntava por onde andava, ele dizia que estava na biblioteca estudando e que seguia direto para a faculdade. Meses depois, soubemos que ele havia trancado o curso de administração e vivia os dias na academia.” Maria do Carmo, então, levou o filho a um psicólogo, que o encaminhou para um psiquiatra. “Meu filho já apresentava sinais de depressão e agia como um viciado”, conta. O jovem foi tratado com psicoterapia e antidepressivos. Hoje, Felipe ainda faz exercícios físicos diariamente, mas não com a mesma intensidade. “Aprendi com o erro. Não quero mais passar por aquela situação.”

A vigorexia também pode atingir atletas e profissionais da educação física. O professor de educação física e personal trainer Gilson Pereira Britto, 43 anos, tem 25 de profissão e foi vítima do overtraining. Aos 32 anos, ele começou a treinar para uma maratona de 100km. Seu treinos eram baseados no seu conhecimento e experiência como educador físico. Assim como todo corredor, Gilson quis superar tempo e distância para obter melhor resultado na prova. No entanto, o que parecia ser um treino comum passou a se tornar obsessão na vida do personal trainer. Gilson corria cerca 30km por dia, além de pedalar e fazer musculação. Seu volume total de atividade física somava cinco horas diárias, incluindo sábados e domingos. “Fiquei obcecado em correr mais. Se deixasse de treinar um dia, ficava agressivo e ansioso. Não pensava mais em nada, só em correr”, lembra.

Foi então que os compromissos pessoais e profissionais começaram a ser deixados de lado. As noites ficaram mais curtas para dar lugar a mais tempo na pista de corrida. A alimentação se tornou baseada em carboidratos de fácil absorção, para que o corpo obtivesse mais energia. “Com isso, também começei a consumir efedrina (um estimulante) e suplementos como a carnitina (nutriente de extrema eficiência que ajuda o corpo a produzir mais energia). Em oito meses, perdi 30kg”, conta. Os resultados foram consecutivas gripes e resfriados, diversas lesões musculares, irritabilidade e ansiedade extrema que não o deixava dormir.

O personal trainer se deu conta do “vício” quando seu primeiro filho nasceu. “Vi que não fazia mais nada na vida a não ser correr e malhar. Meu filho precisava de mim e eu não me dava conta”, lembra. Gilson não precisou de tratamento. Conseguiu se reeducar e planejar sua rotina. Hoje ele malha todos os dias, menos sábados e domingos, e não corre mais. “Consigo me controlar, mas se fico um dia sem malhar é uma tortura.”

Mulheres

Flávia Monteiro Sampaio é educadora física e instrutora de musculação há 11 anos. Ela relata que diversas vezes se deparou com pessoas com vigorexia e afirma que as mulheres também desenvolvem esses sintomas. “Tenho uma aluna que nunca está satisfeita com seu corpo, apesar dela estar bem definida. De tão insatisfeita, ela utiliza anabolizantes para obter mais massa muscular. Chega a ser insano.” A instrutora diz que os profissionais na academia pouco podem fazer, além de conversar e tentar convencer a pessoa de parar com o uso dessas substâncias e de diminuir a carga de exercícios. “Orientamos a pessoa sobre os problemas que tudo isso pode acarretar. Mas elas nunca aceitam que estão erradas. É possível que até depois de uma orientação dessas elas aumentem por si só a carga de exrecícios”, diz.

E isso tem um custo. De acordo com o especialista em treinamento desportivo e membro do Centro de Estudo de Medicina da Atividade Física da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Leandro Carvalho, com o abuso o organismo pode sofrer lesões musculares, de tendões e, em alguns casos mais graves, fraturas. “O corpo tem limites biológicos individuais. A hipertrofia (aumento da massa muscular) depende do princípio biológico individual e que quando a pessoa atinge esse limite não há como crescer mais, então acontecem as lesões”, explica.

Se não bastasse, os vigoréxicos também possuem uma preocupação exagerada com a alimentação, sempre evitando gorduras e ingerindo proteínas excessivamente. A falta de outros nutrientes deixa a pessoa com baixa imunidade e constantemente ela é acometida por doenças infecciosas.


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