A procura por um corpo perfeito, faz com que as pessoas submetam-se a práticas que prejudicam a saúde
Em nosso artigo anterior (Gostar do treino é o primeiro passo para o corpo dos sonhos) procuramos colocar em evidência um aspecto que consideramos fundamental para o sucesso de qualquer treinamento ou prática regular de atividades físicas, quer seja a motivação individual. É preciso reconhecer quais são os gostos e preferências de quem irá iniciar um programa de atividades físicas, como forma de buscar elementos que contribuam para a manutenção destas atividades. Caso contrário, corre-se o risco de que estas sejam abandonadas antes que se consiga alcançar o menor indício de resultados.
Da mesma forma, acreditamos que seja importante que quem busca as atividades físicas, como forma de conquistar o corpo desejado, tenha muita clareza sobre quais são os seus reais objetivos. E a definição destes objetivos passa pelo conceito de corpo que esta pessoa possui. Garrini (2007) analisa o modo como o corpo tem sido utilizado nos dias atuais pela publicidade para despertar o desejo dos consumidores pelos produtos aos quais as imagens de corpos "perfeitos", "bem delineados" e "em boa forma" estão relacionadas. A autora considera que o corpo assim adjetivado tem hoje um valor cultural que integra o indivíduo a um grupo e o destaca dos demais, em contraposição ao corpo "gordo", "flácido" e "sedentário", que simboliza a indisciplina e o descaso. Ao mesmo tempo, as pessoas são consideradas "culpadaz" pelo "fracasso" com o próprio corpo, o que se torna um aspecto imperiosamente negativo numa cultura que considera o corpo como um fator fundamental para o reconhecimento social.
Corroborando esta idéia, Santos e Salles (2009, p. 99) observam que: Em diferentes graus, esses modelos e conceitos interferem na vida de todos, sejam homens, mulheres, mais novos ou mais velhos. Em nosso estudo observamos que a beleza física e o corpo jovem e tonificado são valores importantes para um grande número de pessoas e a crença de que estes atributos são uma obrigação e uma responsabilidade do próprio indivíduo. Assim como existem variadas formas de realizar um treinamento físico e que devemos levar em consideração os gostos pessoais no momento em que vamos escolher qual metodologia iremos adotar, também é preciso levar em consideração que existem biótipos diferentes, ou seja, os corpos das pessoas são diferentes. E não há como querer seguir um padrão ideal se não existe uma homogeneidade nos biótipos. Além disto, como na escolha dos exercícios, devemos levar em consideração se as pessoas se sentem bem ou não com determinado padrão de corpo e o quanto elas estão dispostas a mudar comportamentos para conseguir "transformar" seus corpos, uma vez que tais mudanças podem torná-las mais insatisfeitas do que já se encontram.
É oportuno lembrarmos que o estereótipo de corpo perfeito nem sempre foi o mesmo ao longo da história. Na Grécia Antiga, o corpo era valorizado e colocado no mesmo patamar da mente. Buscava-se o aprimoramento das habilidades físicas, assim como se procurava desenvolver o intelecto. Na Renascença, entre os séculos XV e XVI, os corpos estavam relacionados com a fertilidade e eram retratados com formas robustas, seios grandes, ancas largas, sendo admirados os corpos com formas mais avolumadas. Descartes cindiu o ser humano em corpo e mente, valorizando a razão em detrimento ao corpo. No início do século passado, o corpo feminino desejado era miúdo e roliço. Nas décadas de 1940 e 1950, os corpos sinuosos, curvilíneos, ao estilo de Rita Hayworth e Marilyn Monroe eram símbolo de desejo e consumo.
Nos anos 1960 e 1970, os corpos excessivamente magros e longilíneos passaram a representar um novo padrão de beleza. Na década de 1980, com a ascensão da ginástica aeróbica e com o esporte se tornando produto de consumo de massa, tanto homens como mulheres passaram a valorizar o corpo "malhado", com músculos definidos e abdomens esculpidos. Kate Moss surge nos anos 1990 como ícone de um novo modelo de beleza corporal que ressuscitou o padrão da fragilidade física. Gisele Bündchen, com suas formas mais avolumadas, traz de volta nos anos 2000 a valorização dos seios fartos, das curvas mais delineadas. Como se vê, em cada época novos padrões e critérios são adotados para se conceituar o corpo dos sonhos.
A busca desenfreada por um corpo perfeito, entendido como aquele que atende aos padrões estéticos da moda, faz com que muitas pessoas submetam-se a práticas que podem causar sérios danos à sua saúde. Três resultantes perigosas dos padrões estéticos corporais adotados na atualidade são os transtornos alimentares, o uso de esteróides anabolizantes e as intervenções cirúrgicas desnecessárias. Duas patologias alimentares que tem prevalência elevada são a anorexia e a bulimia nervosas, que apresentam como sintomas comuns a preocupação excessiva com o peso, uma imagem corporal distorcida e um medo patológico de engordar. O maior problema destes dois transtornos é que existe uma alta associação destas síndromes com a morbidade (BORGES et al, 2006).
Além de todas as reportagens divulgadas recentemente sobre a proliferação do uso de esteróides anabolizantes em academias, não é difícil evidenciar que esta é uma prática crescente e preocupante. Uma pesquisa no ciberespaço pode atestar esta afirmação. Botelho (2009) mostra como praticantes de fisiculturismo discutem este assunto em comunidades do Orkut e outros endereços de relacionamento da Internet. No estudo de Santos e Salles (2009), apenas um dos 91 entrevistados confirmou fazer uso de anabolizantes. Porém, os autores comentam que estudos anteriores já demonstravam que raramente os usuários admitem o uso destes produtos quando são entrevistados por alguém de fora do seu contexto. Neste mesmo estudo (SANTOS e SALLES, 2009), quase metade dos entrevistados (47%) admitem que se submeteriam a uma cirurgia estética. Destes, 75% afirmam que valorizam a opinião externa, o que reforça a idéia que abordamos anteriormente sobre a necessidade de afiliação desejada pela maioria das pessoas, de sentir-se fazendo parte de um grupo que se destaca.
Não condenamos que pessoas procurem a cirurgia estética como forma de melhorarem sua auto-estima, pois sabemos que, em muitos casos, os aspectos positivos advindos desta escolha são extremamente benéficos. O que acreditamos que seja desnecessário é buscar uma cirurgia para corrigir detalhes estéticos pouco significativos e que poderiam ser solucionados com a adoção de um novo comportamento alimentar e de atividades físicas, sem correr os riscos de uma intervenção cirúrgica.
Acreditamos que, assim como fazemos com a escolha dos exercícios que preferimos realizar, como forma de sentirmos prazer na atividade física, evitando que ela seja abandonada prematuramente, também devemos ter muita clareza sobre o corpo que pretendemos moldar. Mais do que simplesmente atender aos apelos da moda, precisamos ter em mente que o nosso corpo é a nossa forma de expressão no mundo, ele transmite a nossa forma de pensar, nossos valores e crenças, e por isso mesmo ele é único e tem de ser valorizado.